37 - - estudo para - aurora e os sete meios anões -

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não sabia porque misturava - sempre - sentimentos com sabores - odores 
- ou dores! - não sabia porque se sentava nos mesmos degraus - no canto da cozinha - noites e noites sem conta - nem sabia - porque não sabia partilhar o (tal) lixo de vida - que crescia atrás da porta 
talvez por olhar outros lixos de vida - invisíveis - mas constantes! - e deles - nada querer saber 
aurora - fartava-se de si - e tentava encontrar algum consolo na partilha de vidas já contadas - já vividas - as vidas das vizinhas,,, eram um absurdo descontentamento - errantes - direitas e tão inconstantes... não via caras felizes - nem infelizes! - nem inteiras! - apenas olhava rostos de inércia ou dum puro exagero - melodrama...
lá se sentou - outra vez - nos degraus da escada de pinho - que tinha comprado no ikea - e que lhe deu um trabalhão a montar - serviu-se do martelo - quando já não conseguia aparafusar...
tantos parafusos - tantos buracos - tanta - estúpida - precisão
em analogia - contava as marteladas que já tinha dado - em bocados de vida - só porque lhe faltou a força para aparafusar...
martelou!
os tais dos cordon blue estavam ali - já frios - tinham sobrado dois - cordon blue - congelado - frito e frio - era horrendo 
- só podia - deitou tudo no caixote do lixo - e migalhas de pão ralado saltaram para o meio do chão - varreu - para trás da porta - juntou tudo às migalhas e à poeira acomulada - duma vida assim - desta vez levou companhia - as lágrimas exageradas de isislda - também ali estavam - embebendo as migalhas de pão ralado 
que raio de tristes vidas!
amanhã iria preparar o maior banquete!
sem emprego - sem subsídio - sem nada para fazer 
- sem dinheiro para pensar - deixou que a cabeça rodopiasse - como droga pura - irresponsavelmente - permitiu-se ser -
docemente - irresponsável - para quem assim a quisésse ver - mas só para quem assim o entendesse 
- de irresponsável apenas tinha o não saber - porque sabendo o que querer - a vida - provavelmente - lhe ofereceria um sorriso - já lhe bastava!
antes de dormir - comeu duas barras de sucedaneo de chocolate - é que nem chocolate era! sabia a sabão - mas era doce - provavelmente não iria fazer o tal chá que - dizem - faz adormecer - com o doce fabricado - do sucedaneo de chocolate - nem sabia se sucedaneo tinha acento circunflexo... nem sabia - nem queria saber
a música que tocava no computador - enchia a sala de vozes que não eram de ninguém... o som - a melodia - apenas - lhe - servia para trautear enquanto arrumava as migalhas - despachava os cordon blue - e lavava dois pratos - se aquela cozinha falasse - se tudo fosse filmado - se alguém soubessse retratar o que se pensa - mesmo mesmo - mas - mesmo mesmo! caramba! 
- era isso - teatro - era teatro - era fazer de conta - mas muito bem feito - 
esse de conta fazer - era isso que lhe faltava - encarnar a personagem que lhe poderiam atribuir - numa peça - num palco imenso - sem consequência - sem rasgos ou poucos dizeres - deveria saber interpretar - deveria... era só saber sentir...
amanhã - iria preparar um banquete de nova vida - que desta - se enjoava todos os dias - amanhã iria comprar espargos verdes - cebolas roxas e costoletas de novilho! 
amanhã iria conviadar todos os vizinhos para se deleitarem - numa grande farra - de quereres e sabores - sem saberes! - 
já tinha pimenta preta - sal e coentros - suficientes - tudo sem desconto! 
porque nada queria descontar 
depois de meios anões - meias pessoas - meios quereres - meios saberes - mediocres falares - mediocres ouvires -
iria preparar o - seu inteiro - e - maior banquete!

tmq 

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